Decisão Monocrática
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 169940 – PE (2022/0266498-3)
RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
DECISÃO
Cuida-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por JXXXXXXXXXXXXXX contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco no julgamento do HC n. 0001451- 27.2022.8.17.9480.
Extrai-se dos autos que o recorrente foi preso em flagrante em 25/5/2022, convertida em prisão preventiva, tendo sido denunciado juntamente com outra agente pela suposta prática dos crimes previstos nos art. 33 e 35 da Lei n. 11.343/2006 (tráfico e associação para o tráfico de drogas), e art. 14 da Lei n. 10.826/03 (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido).
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, o qual denegou a ordem nos termos do acórdão que restou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. CORRUPÇÃO DE MENORES. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE DECRETOU A PRISÃOPREVENTIVA. SÚMULA Nº 86 DO TJPE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL PORSUPOSTA IRREGULARIDADE NA PRISÃO EM FLAGRANTE. SUPERADA. DECISÃO PELA PRISÃO PREVENTIVA. PRECEDENTES STJ. ORDEM DENEGADA. DECISÃO UNÂNIME.
1. Hipótese em que o paciente e comparsas foram presos em flagrante, com porções de maconha e uma arma de fogo municiada. A prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva na audiência de custódia.
2. Uma vez convertida a prisão em flagrante em preventiva fica superado o argumento de irregularidade do procedimento de prisão haja vista a existência de novo título judicial a embasara custódia cautelar do paciente. Precedentes STJ.
3. Demonstrada a premência da constrição cautelar de liberdade para garantir a ordem pública, eventuais condições pessoais favoráveis não têm o condão de franquear liberdade provisória ao paciente, nos termos do enunciado da Súmula nº 86 do TJPE.
4. Conforme a jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores é inviável a análise aprofundada de provas pela via do Habeas Corpus cabendo eventual valoração das evidências contidas nos autos originários ao juízo de conhecimento.
5. Ordem denegada. Decisão unânime.(fl. 197).
Daí o presente recurso, no qual argumenta que foi reconhecida a ilegalidade da prisão da acusada Railane da Silva, devendo também o Poder Judiciário relaxar a prisão do recorrente.
Pondera que o recorrente conta com condições pessoais favoráveis, destacando ter menos de 21 anos de idade.
Aduz estarem ausentes os requisitos autorizadores do art. 312 do Código de Processo Penal – CPP, de modo que a imposição da custódia cautelar não estaria suficientemente justificada e pautada exclusivamente na gravidade abstrata dos delitos. Diz que a quantidade de droga apreendida não é motivo por si só para fundamentar a segregação do recorrente.
Argumenta a suficiência da imposição das medidas cautelares diversas da prisão, dispostas no art. 319 do CPP.
Requer, em liminar e no mérito, a revogação da prisão preventiva do recorrente, ainda que mediante a aplicação de medidas cautelares alternativas.
Medida liminar indeferida conforme decisão de fls. 272/274.
Informações prestadas às fls. 278/296 e 413/425.
Parecer ministerial de fls. 431/437 pelo desprovimento do recurso ordinário.
É o relatório.
Decido.
A referida segregação cautelar foi mantida pelo Tribunal de origem, tendo sido especialmente destacado trechos do decreto preventivo, nos seguintes termos:
“[…]
Passo à análise da alegada ausência de fundamentação na decisão que decretou a prisão preventiva.
Para melhor elucidar a questão sob exame, entendo necessário transcrever trecho da decisão que converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva, na parte em que interessa (Id. 21498012, p. 56). Confira-se, in verbis:
Passo a análise dos requisitos de fato. O Ministério Público pediu a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, por fundamento na garantia da ordem pública. Enquanto a defesa requereu a liberdade provisória com cautelares penais. A prisão preventiva deve estar fundamentada nos requisitos cumulativos estabelecidos no art. 312 do CPP, quais sejam: fumus comissi delicti e o periculum libertatis. Quanto ao fumus comissi delicti, o mesmo é traduzido em prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, os quais já se encontram configurados. Já o periculum libertatis se reflete na garantia da ordem pública, na aplicação da leipenal ou por conveniência da instrução criminal. Feito o balizamento legal, cuido que deve ser convertida em preventiva a prisão em flagrante do autuado. Explico: Dadas as circunstâncias do fato,as quais demonstram a necessidade e adequação da medida, torna-se evidente a ineficácia das cautelas alternativas, arroladas nos arts. 319 e 320 do CPP, no que se refere a garantia da ordem pública, sendo imperiosa a custódia cautelar, em especial para preservar a ordem pública da comunidade em que vive. Os antecedentes criminais apontam outros procedimentos criminais pela prática de crime capitulado no Estatuto do Desarmamento, bem como relacionados a droga, dentre outros. Demonstra assim que, solto, coloca em risco a ordem pública. Com arrimo, portanto, no art. 310, inciso II, c/c art. 312 e 313, inciso I, todos do CPP, converto em PRISÃO PREVENTIVA a prisão em flagrante delito de XXXXXXXXXXXXX […]
Observa-se pela decisão supratranscrita que o Magistrado se valeu de elementos concretos constantes nos autos (auto de prisão em flagrante delito, auto de apresentação e apreensão, laudo preliminar de constatação da droga, e depoimentos testemunhais) para constatar a existência dos requisitos (fumus comissi delicti), bem como expôs o fundamento (periculum libertatis) da prisão preventiva.
Somou-se a isso o risco à ordem pública em razão da reiteração delitiva em vista que o autuado responde a outros processos criminais e foi preso em flagrante com significativa quantidade de droga e o comparsa, que também foi preso, portava arma de fogo municiada.
Nesse caso, principalmente pelas circunstâncias da prisão, ficou demonstrada a necessidade da cautelar extrema para garantia da ordem pública.
Na busca de aferir possíveis condições pessoais favoráveis, o fato de o réu, ora paciente, não possuir condenação criminal transitada em julgado, por si só não afasta o risco de reiteração delitiva, sobretudo quando responde a outros processos criminais que, ao contrário do que alega o impetrante, indicam alto risco de novas condutas criminosas.
Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou considerando ações penais em andamento servindo como fundamento para a prisão preventiva, como se observa no julgamento do Habeas Corpus nº 462.917/SC, de relatoria da E. Ministra LAURITA VAZ que ora colaciono:
[…]
De mais a mais, demonstrada a premência da constrição cautelar de liberdade para garantir a ordem pública, eventuais condições pessoais favoráveis não têm o condão de franquear liberdade provisória ao paciente, nos termos do enunciado da Súmula nº 86 do TJPE:”As condições pessoais favoráveis ao acusado, por si sós, não asseguram o direito à liberdade provisória, se presentes os motivos para a prisão preventiva”.
Nesse caso, a decisão que converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva está suficientemente fundamentada em elementos concretos dos autos e não há qualquer ilegalidade a ser sanada.
Diante do alegado pelo impetrante e pelos elementos analisados no presente writ não se verifica qualquer ilegalidade a ser sanada, cabendo eventual valoração das provas contidas nos autos originários ao Juízo de conhecimento.
Diante do exposto, DENEGO a ordem de habeas corpus.”
Quanto aos fundamentos da custódia cautelar, o Superior Tribunal de Justiça – STJ firmou posicionamento segundo o qual, considerando a natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição e manutenção quando evidenciado, de forma fundamentada em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do CPP.
Por sua vez, a Lei n. 13.964/2019 – o denominado “pacote anticrime” – alterou o art. 315, caput , do CPP e inseriu o § 1º, estabelecendo que a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada, devendo o Magistrado indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada, vedando a exposição de motivos genéricos e abstratos.
Convém, ainda, ressaltar que, considerando os princípios da presunção da inocência e a excepcionalidade da prisão antecipada a custódia cautelar somente deve persistir em casos em que não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, de que cuida o art. 319 do CPP.
Nesse diapasão, consoante bem ponderado pelo ilustre Ministro Rogério Schietti Cruz, “À luz do princípio da proporcionalidade do necessário enfrentamento da emergência atual de saúde pública, das novas alternativas fornecidas pela Lei n. 12 403/2011 e das alterações ao Código de Processo Penal determinadas pela intitulada”Lei Anticrime”(Lei n. 13.964/2019), há razoabilidade na opção, pela autoridade judiciária, por uma ou mais das providências indicadas no art. 319 do CPP como meio bastante e cabível para obter o mesmo resultado – a proteção do bem jurídico sob ameaça – de forma menos gravosa”( HC 597.650/SP, SEXTA TURMA, DJe 24/11/2020).
No caso dos autos, não obstante as instâncias ordinárias tenham feito menção a elementos concretos do caso, indicando a configuração do delito e indícios de autoria, bem como o risco de reiteração delitiva, em razão de o paciente responder a outros processos criminais, verifica-se que a quantidade de droga apreendida não se mostra exacerbada, o que permite concluir que a potencialidade lesiva da conduta imputada ao acusado não pode ser tida como das mais elevadas.
Ademais, ao que tudo indica, não há notícias concretas do envolvimento do recorrente com organização criminosa, o que, somado ao fato de o crime em questão não envolver violência ou grave ameaça à pessoa, indica a desproporcionalidade da prisão preventiva e a suficiência das medidas cautelares menos gravosas.
Nesse sentido, cito os seguintes julgados desta Corte:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. REITERAÇÃO DELITIVA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE.
A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da reincidência específica do paciente.
3. Entretanto, apesar da reiteração delitiva específica do réu, não foi apreendida quantidade de droga indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo.
4. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal, em razão da quantidade não expressiva de drogas apreendidas – “61 (sessenta e uma) porções de cocaína em pó, 18 (dezoito) porções de cocaína na forma de ‘crack’ e 26 (vinte e seis) frascos de lança-perfume”, aliada ao fato de o delito não ter sido cometido mediante emprego de violência ou grave ameaça.
5. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular.
( HC n. 693.730/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 17/12/2021; grifos nossos)
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. GRAVIDADE CONCRETA. ENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTE. DESPROPORCIONALIDADE DA MEDIDA. CONDENAÇÃO PENAL ANTIGA. PEQUENA QUANTIDADE DE ENTORPECENTES. SUBSTITUIÇÃO DA CUSTÓDIA POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO.
1. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, do caráter abstrato do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP).
2. Deve, ainda, ficar concretamente evidenciado, na forma do art. 282, § 6º, do CPP, que, presentes os motivos que autorizam a segregação provisória, não é suficiente e adequada a sua substituição por outra (s) medida (s) cautelar (es) menos invasiva (s) à liberdade.
3. A especial gravidade do crime, depreendida do envolvimento de adolescente no tráfico de drogas, e o risco concreto de reiteração delitiva, extraído da reincidência, dos maus antecedentes, de inquéritos policiais ou processos penais em curso, são fundamentos que indicam a necessidade de alguma providência cautelar para a garantia da ordem pública.
4. Na espécie, imputa-se ao réu, que ostenta outro registro criminal por tráfico privilegiado, a conduta de fornecer entorpecentes a dois adolescentes. Todavia, no caso em exame, tais razões não se mostram suficientes, em juízo de proporcionalidade, para manter o recorrente sob o rigor da medida extrema, notadamente porque a quantidade de entorpecentes encontrados 3,9 g de cocaína não foi tão elevada a ponto de justificar a imposição da cautela mais gravosa. Além disso, a extinção da punibilidade do agente pela condenação pretérita ocorreu há mais de sete anos, em virtude do cumprimento da pena. Desse modo, os fatos narrados não têm o condão de, por si sós, subsidiar a conclusão a que chegou o Juiz acerca da periculosidade do réu.
5. Recurso em habeas corpus provido para substituir a prisão preventiva pelas medidas cautelares previstas no art. 319, I, III e IV, do CPP.
( RHC n. 153.956/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 17/12/2021; grifos nossos)
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CUSTÓDIA PREVENTIVA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA. PREJUDICIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. MEDIDA DESPROPORCIONAL. QUANTIDADE NÃO EXPRESSIVA DE DROGAS (5 G DE COCAÍNA). ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA DE MEDIDAS CAUTELARES MENOS GRAVOSAS. PRECEDENTES. LIMINAR CONFIRMADA.
1. O fato de ter sido proferida sentença condenatória não prejudica a análise do writ, tendo em vista que as razões que levaram à manutenção do decreto foram as mesmas apontadas por ocasião da decisão primeva ( RHC n. 88.388/PR, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 28/6/2018).
2. A prisão preventiva constitui medida excepcional ao princípio da não culpabilidade, cabível, mediante decisão devidamente fundamentada e com base em dados concretos, quando evidenciada a existência de circunstâncias que demonstrem a necessidade da medida extrema, nos termos do art. 312 e seguintes do Código de Processo Penal.
3. Não obstante as relevantes considerações realizadas pelas instâncias ordinárias, relativas à reincidência do ora paciente, as demais circunstâncias descritas nos autos revelam que a aplicação de medidas alternativas à prisão se mostram suficientes para evitar a reiteração delitiva, considerando-se o fato de tratar-se de apreensão de 88 g de maconha, quantidade que não pode ser considerada de grande monta.
4. Em casos similares, quando se trata de apreensão de pequena quantidade de entorpecentes, a Sexta Turma desta Corte Superior tem entendido pela possibilidade de substituição da prisão preventiva por medidas diversas do encarceramento, mesmo diante da presença de fundamentação concreta para a prisão cautelar.
5. À vista das circunstâncias concretas do caso e em observância ao binômio proporcionalidade e adequação, a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão mostra-se suficiente para garantir a ordem pública, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal.
6. Agravo regimental improvido.
( AgRg no HC 636.701/AC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 16/08/2021).
Assim, demonstrada a inadequação e a desproporcionalidade no encarceramento do paciente, deve ser substituída a prisão preventiva por medidas cautelares alternativas.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus , mas concedo a ordem, de ofício, para revogar a prisão preventiva do paciente JARDIEL HENRIQUE DE LIMA FELIX, mediante a aplicação de medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, a serem definidas pelo Juiz de primeiro grau.
Publique-se.
Intimem-se. Brasília, 01 de março de 2023.